Acredito que qualquer grande revolução começa dentro de nós, de um desejo de transformação além de si, que chegue num processo coletivo pra algo melhor.
Essa é a razão de eu ter aceitado, há mais de um mês, logo que o confinamento na Espanha começou, o desafio de contar histórias para crianças em lives do Instagram. Eu, que nunca tinha feito uma live de nada na vida. Mas o projeto era bonito: coletivo, colaborativo, capitaneado pela Daniela Fabiano, pessoa cujo trabalho conheço e em quem confio. E o projeto consiste, basicamente, em aliviar esse momento singular de estarmos trancafiados, nós, brasileiros, nos rincões desse mundo onde a internet é capaz de chegar.
Ao lado de artistas, chefs de cozinha, psicólogos, professores de ioga e outros profissionais do entretenimento e do bem-estar, coube a mim uma parcela de tentar manter o encanto dessa coisa tão sagrada que é alimentar o imaginário do outro – e mais quando esse outro é uma criança. Intimidada? Sim, pois como quase tudo nesse vida tem gente com mais bagagem, mais tempo de estrada e mais experiência desenvolvendo propostas semelhantes, referências que inclusive apoiam meu trabalho como professora de português língua de herança pra crianças: Cléo Busato, Fafá Conta, Mariane Bigio.
Não acho que a tecnologia seja, necessariamente, uma aliada para o encantamento. Nada substitui a presença física. O quanto seu corpo se expande ou se contrai na linguagem gestual. Os passos que te aproximam ou afastam no espaço. O modo como quem escuta a história reage se seu olhar se pousa nele fixamente, você sorri, e espera que a reação do expectador faça parte da história. Mas, confinados, é o que temos. Quem conta também precisa imaginar o público. Imaginei meus alunos, crianças de quatro a seis anos, falantes de português como língua de herança, que talvez não conheçam todas as palavras que uso. Tomo um tempo para explicar algumas. Faço alguns paralelos entre como são as coisas em lugares do Brasil e outros lugares do mundo. Tento que isso os ajude a se aproximar e entender um pouco mais esse lugar. E seu lugar.
Mais de dez histórias depois, já posso contar que, com a proximidade da Páscoa, falamos muito de coelhos. Com O gato de botas, que caçou uma lebre para seu amo. Com pato Pato! Coelho!, livro de Amy Krouse Rosenthal, lido junto com minha filha Sofia, que resgata com humor a arte ancestral de encontrar figuras nas nuvens. Além da história, tento trazer uma proposta de entretenimento: uma brincadeira, uma atividade, algo para criar com materiais que há em casa. Como coelhos e tartarugas com potes de iogurte e o papelão de embalagens de alimentos.
Se isso conseguir mudar pra melhor o dia de uma criança, de uma família, pronto: missão cumprida.
Não é todo dia que tenho ideias ou vontade de me expor. Ideias, mesmo a de uma história conhecida, de uma brincadeira simples, levam tempo pra ser geradas.
Na foto, em cima, os coelhos que eu e a Sofia, de dez anos, grande aliada dessas produções, fizemos há algumas semanas. E, embaixo, os que recebemos de uma ouvinte no dia seguinte. Coelhos revolucionários valem a pena.
Um bom dia do livro a todos.