Por Andreia Moroni
A criança bilíngue é uma pessoa pequena. Mais que isso: é uma pessoa em construção. Dependendo do andar dessa construção, talvez lá na frente ela seja um adulto bilíngue. Se você está lendo esta coluna, é provável que esse bichinho seja seu filho, seu aluno. Que ela seja alguém muito importante para você, e que você seja uma referência importante na educação dela. Tem também aqueles que são bi, tri, multilíngues. Mas o que isso quer dizer, mesmo?
Olha, vou abrir o jogo para vocês. Há muito tempo esses ilustres estudiosos da linguística estão tentando definir o que é ser bilíngue (vamos simplificar e ficar por aqui hoje, deixo para vocês pensar como seria no caso dos tri e multis). E a verdade é que não há uma definição que agrade a todos.
Mas como, se é tão simples, se alguém bilíngue é alguém que sabe duas línguas? Então, é que não é tão simples assim.
Pense no quanto você sabe de português. Será que você sabe entender o que ouve, falar, ler e escrever com a mesma proficiência? Tem gente que é nativo da língua e escreve mal. Tem gente que escreve bem mas fala pessimamente em público, que morre de vergonha de puxar conversa. Tem gente que não gosta de ler. E não me diga que você não conhece alguém que entende tudo errado o que você explica.
Pense em todas essas variações, agora multiplique por duas línguas. Entendeu por que é difícil definir o que é ser bilíngue?
As habilidades que desenvolvemos quando aprendemos outra língua também podem ser bem variadas. Se você começa a fazer um curso de idiomas e faz um estágio por semestre, irá aprendendo devagar um pouco de tudo: entender, falar, ler, escrever. Se você mora há muito tempo num país estrangeiro, pode ser que entenda bem a língua falada a seu redor, mas fale muito pouco – e seria injusto dizer que você não sabe nada, você sabe, oras! E talvez entenda o que ouve até muito mais que o carinha que está no estagio Advanced 1 do tal curso de inglês. Se você é pai ou mãe de um brasileirinho que não mora no Brasil e fala em português com seu filho, pode ser que veja que ele entende tudo em português, mas usa pouco essa língua com você.
Depende. Depende muito.
E mesmo que você, eu, os professores, a família, a gente se esforce por transmitir o português como língua de herança a uma criança, é preciso ter muito claro – aqui e em qualquer situação de bilinguismo – que o sujeito bilíngue não é a soma de dois sujeitos monolíngues. Ele é alguém que sabe duas línguas com competências diferentes. E as competências que irá desenvolver dependem muito do entorno, isto é, de fatores como a necessidade real de usar cada língua e em quais situações, do vinculo emocional que há com cada uma, do ambiente e seus estímulos. Ele não e um tradutor simultâneo ambulante. É alguém que, muito provavelmente, usa línguas diferentes em situações diferentes.
Então, pais e educadores, caprichem no que está ao alcance de vocês. Falem em português, leiam com as crianças em português, contem histórias, piadas, ensinem musicas, marquem conversas no Skype com a vovó, preparem a lista do supermercado, tornem o uso da língua significativo e agradável. Mas não entrem em pânico se as condições forem adversas e a produção oral ou escrita do seu brasileirinho não for dez. Calma lá. Isso pode mudar se o entorno mudar, se vocês passarem temporadas no Brasil, por exemplo. E a boa noticia é que o desabrochar dessas sementinhas plantadas e regadas por anos com atenção e zelo, quando chegar aquela terra adubada do entorno favorável, da imersão, está, sim, cientificamente documentado.
Publicado originalmente em: https://brasileirinhos.wordpress.com/2013/03/07/crianca-bilingue-que-bicho-e-esse/, em 07/03/2013.